Poder Judiciário ou Arbitragem? Um Guia Prático para Empresas na Escolha e Redação da Cláusula de Resolução de Disputas

Poder Judiciário ou Arbitragem? Um Guia Prático para Empresas na Escolha e Redação da Cláusula de Resolução de Disputas

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Daniel Levy

I.             Introdução

Se há uma cláusula contratual que é sempre preterida em qualquer negociação, trata-se, sem sombra de dúvida, da cláusula de resolução de conflitos. Portanto, se pensarmos bem, eis aí uma bela ironia, já que é a cláusula que permite discutir todas as outras cláusulas. É o dispositivo que abre para as partes o direito de recorrer a um terceiro em busca de uma posição sobre todos os direitos e obrigações daquele acordo.

Não é por outro motivo que é sempre conhecida como a midnight clause, negociada não mais apenas à meia-noite, quando as partes já bebem Champagne para comemorar o deal, mas de madrugada, às cinco, seis da manhã, quando a exaustão dos últimos dos estagiários já impregna os escritórios no clarear do dia.

A cláusula que é deixada por último deveria ser a primeira discutida. Empregar ou não a mediação, litigar no foro judicial ou no foro arbitral, em qual cidade, enfim, tantas questões que acabam moldando a própria operação, especialmente a partir de uma análise econômica de possíveis futuros conflitos.

De fato, um mesmo desentendimento entre as partes que precise se submeter a um período de cool off de 30 dias em uma negociação, seguido de uma arbitragem internacional perante a Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional, com sede em Nova Iorque, certamente não terá a mesma interpretação caso seja submetido simplesmente ao juiz competente no foro de São Paulo. A última opção é bem menos custosa, embora possa ser mais demorada, enquanto a primeira, embora bem mais cara, trará uma solução mais técnica e rápida. Talvez no caso da segunda, uma demanda judicial tenha bem menos riscos (rectiuscustos) do que na segunda, o que fará pensar duas vezes o empresário.

Rapidez, técnica, custo, eis aqui elementos que acabarão moldando o próprio conteúdo daquele contrato, a redação de outras cláusulas, que ficarão mais ou menos propensas a um conflito. Dessa forma, o nosso objetivo aqui de nenhuma forma é traçar um panorama técnico acerca das convenções arbitrais, o que sequer é objetivo da obra para a qual contribuímos, mas trazer questões práticas que apenas o cotidiano dos profissionais de contencioso revela, as quais, ironicamente, podem tornar-se muito mais importantes do que alguns filigranas tão debatidos alhures.

II.           Problemas Relativos ao Método

Antes de falar especificamente da cláusula, sob uma ótica microscópica, é preciso enfrentar a perspectiva macroscópica, ou seja, como ela se enquadra no processo de elaboração do contrato.

Aqui, dois vícios principais: o primeiro, já antevisto acima, é o que lhe vale o triste apelido de midnight clause, ou seja, é a cláusula escrita por último, ao fim do contrato, na ressaca das comemorações do “closing”. O segundo, e talvez mais grave, é que ainda há poucos profissionais que submetem tal cláusula a seus colegas de contencioso, seja no âmbito da empresa, seja, pior, no âmbito de escritórios de advocacia. Falemos de cada um.

Quanto ao aspecto temporal, como deixar por último a cláusula que será a primeiraanalisada surgido qualquer desentendimento? Culturalmente, a cordialidade do homem brasileiro, de que já nos falava Sérgio Buarque de Holanda, lá nas Raízes do Brasil, torna a comunidade propensa ao litígio. Mas, no momento do deal, o litígio é apenas potencial, todavia, já está escondido atrás dos pensamentos de cada um dos advogados consultivos que assessoram os seus respectivos clientes naquela operação.

Se não está escondido, deveria estar. Ninguém escreve um contrato com a certeza de que nada dará errado; ao contrário, se tudo fossem flores, e que cada um terminasse cultivando sempre o seu próprio jardim no melhor dos mundos possíveis, não seria necessário um contrato. O contrato é um diminuidor de custo de transação e, assim, é um diminuidor de custo de um futuro litígio.

Portanto, eis uma primeira premissa: não se escreve um contrato sem pensar sob a perspectiva litigiosa daquilo que poderá dar errado. Aliás, para o advogado de contencioso, é muito fácil perceber em um contrato que sequer elaborou quais eram, à época da assinatura, os pontos mais propensos a um conflito no futuro: são aqueles cujas cláusulas mais se distanciam do triste modelo padrão da geração “copiar colar”.

Basta olhar uma cláusula um pouco diferente, prevendo um tag along onde normalmente não se prevê um tag along, ou bem a abertura de uma escrow em um prazo que normalmente é mais curto do que a norma, para se ter certeza de que as partes previram um litígio decorrente de contingências ainda não descobertas.

Voltando à premissa, a primeira recomendação que aqui fazemos é simples: é preciso passar a minutar contratos à luz de possíveis conflitos. Falta muitas vezes à cordialidade latina a objetividade de reconhecer no contrato um instrumento destinado a evitar a guerra, e não apenas a organizar a paz. Por tal razão é que a participação do advogado de contencioso nas negociações e na elaboração do contrato deveria ser a regra, e não a exceção.

Mas sem ser assim tão ambicioso, se não for possível a participação em toda a confecção do contrato, o advogado de contencioso deve participar ao menos na elaboração da cláusula de resolução de conflitos. Chegamos ao segundo ponto.

Atualmente, vemos com otimismo a prática de alguns grandes escritórios de submeter os seus contratos às áreas de contencioso antes de finalizarem as minutas. Como veremos a seguir, o profissional de resolução de conflitos terá experiência para já antever não apenas a validade da cláusula – cuja redação ainda deixa muito a desejar – mas, sobretudo, a sua operacionalização.

Nesse caso, o último aspecto é mais importante que o primeiro. Uma cláusula nula, patológica, dará lugar a um processo de instituição judicial da arbitragem, nos termos do art. 7º, da Lei 9.307/96 (“LArb”)[1], mas uma cláusula inoperacional dará lugar a um vácuo jurídico, já que a simples falta de recursos financeiros para pagar uma instituição arbitral caríssima ou bem a dúvida sobre qual instituição usar não constituirá uma barreira para requerer o procedimento.

Além da experiência com determinada instituição, que poderá recomendar ou afastar – especialmente em tempos de mercantilização de câmaras – o advogado de contencioso poderá até mesmo recomendar o foro judicial ao invés do arbitral, a depender de certas circunstâncias que veremos mais à frente. O número de árbitros, o uso de modernos regulamentos de árbitro de emergência, a sede da arbitragem, a língua, a qualificação dos árbitros, todos fatores que geram um pré-contencioso desgastante e custoso quando não negociado previamente, no momento de celebração do contrato, quando ainda não há – ou não deveria haver – animosidade.

Para que essa participação “contenciosa” na formação do negócio jurídico seja efetiva, é indispensável que a cláusula de resolução de conflitos possa ser negociada não mais à meia-noite, mas ao meio-dia, em plena luz do dia e sem a ebriedade do “closing”. É preciso desmistificar a lógica de que negociar a futura resolução de conflitos é o presságio da briga, como se fazer o testamento fosse o presságio da morte. Somente assim será possível passar a ter uma cláusula não apenas válida, mas, sobretudo, operacional.

III.          Problemas Relativos à Cláusula 

Feita essa análise macroscópica, é possível agora nos dedicar com mais vagar à cláusula de resolução de disputas em si, suas características, a sua utilidade e a sua operabilidade no caso concreto.

Antes de falar de arbitragem ou de Poder Judiciário, falemos da mediação, método de futuro cada vez mais previsto nas cláusulas de resolução de conflito, cláusulas ditas escalonadas, pois preveem que antes de qualquer disputa, caberá às partes negociar.

a.   A cláusula de mediação

Desde 2015, com a Lei de Mediação (Lei 13.140/15), não apenas tornou-se comum inserir na resolução do conflito uma etapa prévia de negociação, mas, sobretudo, houve estímulo para se regular tal procedimento.

Todavia, poucas são as cláusulas escalonadas que se atentam para a necessidade de estabelecer um prazo para a negociação. Eis um primeiro fator indispensável. Partindo da nossa premissa prática, não existe na adversidade estímulo para negociar “em tempo razoável” ou “com máximo esforço” ou “de forma efetiva”, como já vimos aqui e acolá; existe estímulo para negociar “em 45 dias” ou “até o vencimento de tal opção” ou “até 30 dias antes da liberação da escrow”. Prazos permitem que advogados de contencioso julguem a possibilidade – ou não – de iniciarem um processo de negociação.

Como se o aspecto negocial não fosse o bastante, a própria Lei de Mediação, em seu art. 23[2], determina que juiz ou árbitro suspendam os respectivos processos enquanto não esgotado o prazo da mediação. Mais um estímulo para que os operadores do contrato não deixem o procedimento de mediação ao leu e à boa-vontade das partes, a qual, no momento de conflito, raramente existe.

No âmbito da mediação em si, é importante que as partes estabeleçam um procedimento com prazos determinados e precisos para trocas de notificação, escolha de mediadores, isso, claro, se não houver referência ao regulamento de mediação de alguma instituição séria. Ao elaborar tal procedimento, o advogado deve preocupar-se em torna-lo exequível em caso de reticência da parte. Caso existam prazos para o envio de uma notificação, para a realização de uma reunião ou, ainda, para montar um dispute adjudication board, sempre será possível solicitar a um juiz estatal tutela de obrigação de fazer para que a parte contrária respeite o procedimento, inclusive à luz do art. 23, citado antes, com a suspensão de qualquer demanda – judicial ou arbitral.

b.   A Escolha de Sofia: Judiciário ou Arbitragem?

Passada a mediação, abre-se a etapa de resolução jurisdicional do litígio, seja via judicial, seja via arbitral. Aqui, a primeira pergunta é a mais simples em um contexto no qual a arbitragem tem se tornado um mecanismo empregado de mais com conhecimentos de menos: preciso realmente de uma cláusula arbitral?

Como toda pergunta binária, há aqui um reducionismo óbvio. Nem tudo é tão simples, porém, é possível elencar alguns critérios que temos sugerido para guiar as empresas nessa escolha entre Poder Judiciário e arbitragem.

Primeiramente, é importante entender a relação entre o possível valor em disputa e a escolha do foro. É verdade que existem instituições arbitrais com custos baixos, porém, é necessário estar atento à sua qualidade. Assim, muitas vezes, quando for possível prever o valor aproximado de um futuro conflito, sugerimos sempre acessar o site das câmaras arbitrais para checar quais são os seus custos e, apenas se realmente valer a pena, escolher essa opção. Nos demais casos, em que o valor não justifique uma instituição séria, melhor o Poder Judiciário.

Um segundo ponto a ser considerado é o objetivo de um futuro litígio. Novamente, não se trata de um exercício de futurologia, mas de estratégia: há empresas mais ou menos belicosas, e conflitos que, independentemente do valor, são mais ou menos estratégicos.

Se a disputa oriunda daquele contrato for a mais importante da vida daquela empresa, o que resulta na exigência de ir sempre até o fim, não há nenhuma melhor opção do que a arbitragem. Em tese, ela termina. Ao contrário, algumas empresas têm optado, ultimamente, pela ideia de que um mau acordo pode ser melhor que uma boa briga. Nesses casos, quando a empresa busca com o litígio apenas uma margem de negociação, o Poder Judiciário pode ser menos custoso. Além disso, os foros judiciais são – em sua maioria – bastante eficientes na análise de tutelas de urgência, quase sempre medidas que acabam muito comumente requeridas quando se está buscando uma negociação.

Também a complexidade da matéria em disputa deve ser levada em conta. Quando vemos contratos gigantescos de infraestrutura de engenharia elétrica com cláusulas de take-or-paye questões técnicas daí derivadas, e que tais negócios possuem cláusulas de eleição de foro judicial, sabemos que haverá dificuldades. Portanto, quando a empresa ou os advogados consultivos preveem que o litígio daquele contrato derivará de uma questão técnica, melhor a arbitragem, em que se pode indicar como julgador privado, inclusive, um engenheiro, ou bem escolher uma câmara setorial. Não se trata aqui, na maioria das vezes, de incompetência de um magistrado, mas de simples falta de tempo diante do acervo colossal de processos de nossos julgadores públicos.

Finalmente, a natureza das informações oriundas de um possível litígio deverá ser considerada para essa avaliação. Quando se está no mercado farmacêutico ou químico, em que negócios bilionários envolvem cessões de fórmulas, propriedade industrial, ou pelo simples fato do impacto negativo que um litígio poderá ter diante do mercado, a arbitragem é sem dúvida opção mais adequada. Lembre-se que a regra, no Poder Judiciário, é a publicidade, enquanto tal é a exceção no caso da arbitragem.

Portanto, muitos clientes até possuem causas que, financeiramente, não justificariam a arbitragem, porém, acabam por optar pelo procedimento privado em função do custo indireto de possível vazamento de informações confidenciais, o que raramente é resolvido por um segredo de justiça que, às vezes, é de polichinelo.

Feita a escolha entre a jurisdição estatal e aquela privada, passemos aos problemas da cláusula arbitral em si, que aparecem tão comumente nesses últimos tempos, fonte de grandes agonias.

c.   A Escolha da Instituição Arbitral e o Valor em Disputa

O mais recorrente é a escolha de uma instituição arbitral incompatível com o valor em disputa. Esse é um erro grave, e facilmente evitável. Basta que se crie a cultura de sempre se verificar as tabelas de custos das câmaras arbitrais escolhidas antes de inseri-las na cláusula. De nada adiante discutir numa instituição arbitral internacional que cobra no mínimo dez mil dólares de custas um contrato de R$ 50 mil…. nada obstante, é cada vez mais comum encontrarmos essa sinuca de bico.

Parece haver aqui um fenômeno de modismo, de escolher algumas câmaras pelo seu prestígio, pelo seu nome, pela sua importância, como se a instituição que fosse regular o conflito dourasse o contrato em questão. É preciso, preliminarmente, lembrar que, embora a instituição tenha importância capital na boa administração do procedimento, quem decide é o tribunal arbitral.

Superada essa premissa, vale lembrar que não existe – ao menos no direito brasileiro – qualquer previsão que autorize uma parte sem recursos que assinou uma cláusula arbitral a simplesmente descarta-la e ingressar com a sua demanda no juízo estatal. A obrigação de se submeter à arbitragem é uma obrigação como qualquer outra no contrato e a hipossuficiência superveniente da parte, a nosso ver, não deveria permitir descumpri-la.

É claro que existem casos excepcionais, como aconteceu em recente julgamento do TJSP[3], no qual o acionista majoritário de uma sociedade por ações fechada convocou assembleia para introduzir uma cláusula arbitral estatutária com o único objetivo de impedir que o outro acionista, minoritário e sem recursos, pudesse perseguir os seus direitos.

Nesse caso, o acórdão anulou a assembleia, porém, em nenhum momento afirmou que o fundamento da sua decisão era a hipossuficiência do interessado em ingressar com a demanda, mas o caráter abusivo da assembleia[4].

Muito pelo contrário, o entendimento que parece aos poucos se formar, à luz de recente acórdão do TJRJ[5], é o de que não será possível alegar hipossuficiência para desviar-se da obrigação arbitral em prol do Judiciário.

Portanto, clamamos para que empresas e advogados consultivos sempre consultem os custos das instituições que escolherão. Algumas disponibilizam, em seus websites, simuladores, que tornam a tarefa ainda mais fácil. Caso isso não tenha sido feito, não terá o cliente outra opção que não requerer a arbitragem e pagar custos para tal, ainda que precise obter algum tipo de financiamento. Mais ainda, alerte-se para o fato de que, cada vez mais, as arbitragens com o Poder Público exigirão que a parte privada adiante 100% dos custos da arbitragem[6], o que apenas piora um cenário já assombroso.

d.   O Nome da Instituição Arbitral

O segundo problema mais comum na redação da cláusula vem na nomeação da instituição arbitral. É incrível a quantidade de instituições arbitrais inseridas nessas cláusulas que são fruto da criatividade do advogado: “Câmara de Paris”, “Câmara do Canadá”, “Corte de Comércio de São Paulo”, apenas para dar alguns exemplos reais do que encontramos em nosso dia-a-dia.

Assim como pesquisar o valor de custos dessas instituições, aqui também basta que o autor do contrato acesse o site da instituição escolhida para identificar qual o seu nome exato. Nada mais simples… Muitas sugerem inclusive cláusulas-modelo, que podem ser simplesmente transcritas no contrato, e já identificam claramente o seu nome. É uma das poucas hipóteses em que o “copiar e colar” fica autorizado….

Uma cláusula sem uma instituição que possa ser identificada será vazia, e exigirá o longo processo judicial do art. 7º, da LArb, quando a decisão sobre a câmara, maior benefício da arbitragem, acabará nas mãos do Judiciário. Que se evite essa ironia.

e.   Cláusulas Arbitrais Bifurcadas: uma Falsa Solução

A rotina também tem trazido cláusulas de resolução de conflito bifurcadas, seja em função da matéria, seja em função do valor. Quanto a essas, dizem que lides acima de determinada quantia serão levadas à arbitragem, enquanto as abaixo serão resolvidas pelo Judiciário; em relação àquelas, fazem a mesma repartição, porém, com base nos diferentes objetos da lide.

Embora o Poder Judiciário brasileiro já tenha enfrentado a questão, e até mesmo permitido a convivência entre matérias submetidas à arbitragem e outras ao Poder Judiciário[7], veja-se que foi necessário ir até o Superior Tribunal de Justiça para dirimir tal dúvida. Ora, o simples fato de ficar submetido a um processo judicial longo e imprevisível quando se escolha a arbitragem já é uma derrota.

Por mais bem escritas e delimitadas que possam ser essas cláusulas, é provável que o conflito acabe sempre envolvendo exatamente o limite entre as matérias ou os valores. Poucas dessas cláusulas resultam em litígios que são nitidamente classificáveis como submetidos à arbitragem ou ao judiciário. Na sua maioria, o litígio que surge fica exatamente em cima da linha divisória.

Nesses casos de dúvida, lembrando princípio óbvio da arbitragem, o da competência-competência[8], caberá aos árbitros, em primeiro lugar, definir se aquela matéria está – ou não – submetida ao procedimento arbitral. A perda de tempo nessa fase preliminar jurisdicional, por si só, já deveria afastar essas cláusulas de bifurcação pelo risco que ocasionam.

Temos a impressão nítida de que essas cláusulas são sugeridas como um tipo de meio-termo, em tempos de crise, para que empresas possam diminuir os seus custos diante de uma demanda que não é gigantesca, ou bem que envolva matéria mais simples. Por outro lado, como afirmamos acima, em caso de dúvida sobre se o valor ou a matéria está submetida à arbitragem, caberá ao árbitro resolver e, portanto, caberá à parte pagar os custos do procedimento para, em seguida, voltar ao Judiciário. Ao fim e ao cabo, talvez uma economia que não se justifique.

f.    A Indicação do Árbitro: Não Existe “Super-Árbitro”

Escolhida a arbitragem, a instituição e evitada a cláusula de bifurcação, chega-se à indicação do árbitro. Mais uma fonte inesgotável de vícios, em sua maioria decorrentes não mais de uma lacuna do advogado, mas, ao contrário, de uma ambição exagerada.

Diversas vezes chegam a nós contratos que designam os chamados “árbitros-super-homens”, que reúnem em si tantas qualidades e poderes, que simplesmente não existem. Árbitros que, para serem indicados, precisam falar russo, húngaro, chinês, ser engenheiro com 35 anos de experiência, mas apenas 20 em empresas do setor privado, de nacionalidade brasileira, e que não tenha ou nunca tenha sido perito em outras arbitragens. Mais difícil de encontrar do que o ornitorrinco, essa figura levará a arbitragem a um impasse.

Serão meses – ou anos – de discussão até que as partes possam relativizar alguns de seus critérios, para que possa um ser humano normal assumir a arbitragem. É claro que é cada vez mais comum a nomeação de um engenheiro para uma causa complexa de engenharia, ou de um perito contábil para uma causa complexa financeira, porém, exigir qualidades demais de um árbitro não tornará a sua arbitragem melhor; ao contrário, será muito mais difícil inicia-la.

g.   Problemas Decorrentes dos Efeitos da Cláusula

Finalmente, dois pontos que têm nos preocupado não mais tanto acerca da redação em si da cláusula, mas quanto a seus efeitos: (i) a presença das cláusulas arbitrais em contratos de adesão e (ii) os efeitos das cláusulas perante terceiros.

Em relação ao primeiro ponto, temos visto alguns julgados, especialmente no TJSP[9], que afirmam a necessidade de que cláusulas arbitrais em contratos de adesão cumpram os requisitos do art. 4º, § 2º, da LArb[10], em aplicação literal do dispositivo. O que parece ser uma interpretação simples conforme a lei, todavia, causa preocupação em função de um certo desvirtuamento do próprio objetivo do art. 4°, § 2°, LArb, que, a nosso ver, tem como objetivo proteger aquele que, por sua posição financeira, informacional ou técnica, não tem como presumir a existência de uma cláusula arbitral no contrato que assina.

Diga-se logo: aqui é preciso definir, preliminarmente, o objetivo desse dispositivo. Estaria o legislador endereçando contratos de adesão de consumo, ou seja, em que necessariamente uma das partes é consumidora, ou bem apenas contratos de adesão tout court, independentemente do poder econômico das partes? Acreditamos que a reforma da arbitragem de 2015 (Lei 13.129) trouxe resposta para isso.

De fato, até a sanção presidencial, a Lei 13.129 previa um § 3° naquele art. 4°, em que se permitia explicitamente a arbitragem de consumo[11] sob condições muito próximas das já existentes no § 2°, em casos de contrato de adesão em geral. O § 3° foi vetado pela Presidência da República[12] quando da sanção da Lei.

Ora, por que o legislador preveria um § 3° com as mesmas condições do § 2° para o caso de arbitragem de consumo se o § 2° já previsse, no âmbito do contrato de adesão em geral, aqueles de consumo? Uma simples interpretação da mens legislatoris parece nos dar a resposta: o art. 4°, § 2°, LArb, destina-se apenas a contratos de adesão de “não-consumo”.

Sem adentrar aqui na complexa discussão sobre a natureza da relação de consumo, o que nos preocupa aqui diretamente é a ampliação das exigências do art. 4°, § 2°, LArb para todo e qualquer contrato de adesão, em um mundo empresarial cada vez mais estandardizado. Pense-se num contrato de seguro entre um consórcio segurador de uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo e o respectivo consórcio construtor. O contrato é nitidamente de adesão, mas envolve bilhões de dólares com partes que são amplamente assessoradas por advogados. Será necessário que a parte aderente, no caso, o consórcio construtor, tenha assinado especificamente a cláusula arbitral, e que essa esteja em negrito ou em destaque?

Pois essa ampliação acabará por exigir que praticamente todos os contratos empresariais atendam tais exigências, desde que uma das partes comprove que apenas se submeteu aos termos propostos pela outra. Embora coerente com uma interpretação literal do art. 4°, § 2°, LArb, à luz do histórico de veto ao § 3°, não nos parece que essa interpretação seja economicamente razoável.

Não é nosso objetivo esgotar esse debate aqui, apenas alertar os operadores do direito, as empresas e advogados contratualistas, que será essencial acompanhar o debate doutrinário e jurisprudencial futuro, e, por precaução, talvez exigir que eventual parte aderente concorde expressamente com a cláusula arbitral, por força do art. 4°, § 2°, LArb.

Ainda quanto aos efeitos da cláusula arbitral em contratos, tema que tem nos preocupado é aquele da participação de terceiros na arbitragem. Não temos qualquer ambição de esgotar o tema dos multicontratos ou das multipartes nesse breve ensaio, quando outros já o fizeram tão bem[13], apenas de entender quais são os cuidados do advogado que elabora o contrato para evitar esse conflito no futuro.

A situação é corriqueira: ao requerer a arbitragem, o dono da obra pede a inclusão no polo passivo da arbitragem não apenas do empreiteiro, que assinou a cláusula arbitral, mas de subempreiteiros, arquitetos, projetistas, enfim, terceiros que também contribuíram para a violação do direito questionada no procedimento.

Nesse sentido, ao escrever uma cláusula arbitral, vale lembrar que existe hoje uma tendência doutrinária e jurisprudencial a estender os seus efeitos para além daqueles que literalmente a assinaram. De fato, também aqueles que participaram das negociações e se fizeram cientes da obrigação arbitral, que estavam copiados nos e-mails em trocas de minutas e concordaram com as respectivas cláusulas, e que tinham, portanto, plena participação na formação daquela vontade, consideram-se muitas vezes vinculados.

Sob essa perspectiva, caberá ao advogado que minuta o contrato optar por uma de duas vias: caso o seu cliente lhe peça para que a cláusula arbitral restrinja-se apenas e tão-somente aos signatários do negócio, então deverá evitar a participação de eventuais terceiros nessa negociação; ao contrário, caso o advogado anteveja que possíveis conflitos no âmbito daquele contrato envolverão necessariamente ilícitos causados por terceiros, então seria importante tentar já incluí-los no contrato principal, ao menos como intervenientes-anuentes, senão como partes.

São essas algumas sugestões e conselhos advindos da prática cotidiana e que têm como objetivo diminuir as custosas discussões pré-arbitrais no âmbito do Judiciário. Quando uma cláusula arbitral é mal escrita, ou bem não tem definida com clareza uma instituição arbitral, ou é simplesmente incompatível com os custos daquele litígio, muitas vezes, o Poder Judiciário poderia ter sido uma melhor escolha.

Como todo ensaio, não é o nosso objetivo esgotar aqui a temática da cláusula de resolução de conflitos. Apenas trazer os principais problemas que encontramos em nossa prática atual, e que podem permitir aos colegas no futuro evitar que a diminuição dos custos do contrato se torne um aumento dos custos do litígio.

IV.         Um checklist em conclusão

Diante dos vários ensinamentos que a prática litigiosa nos traz, é possível apontar, de forma muito despretensiosa e não exaustiva, quais são os principais pontos de reflexão para se escrever uma boa cláusula arbitral. Aliás, insista-se na expressão aqui utilizada: “pontos de reflexão”. Ou seja, não se está aqui ensinando a escrever uma cláusula com todos os seus detalhes técnicos, mas apenas chamando a atenção para os principais problemas que surgem na sua elaboração.

São esses, portanto, os nossos 10 mandamentos para se escrever uma boa cláusula de resolução de conflitos:

1.   Não deixe a cláusula de resolução de conflitos por último. Faça da “midnight clause a “midday clause” e reflita já no momento de sua elaboração quais são os potenciais litígios que podem advir daquele contrato;

2.   Integrar a área de contencioso à elaboração do contrato;

3.   Caso preveja uma etapa prévia de conciliação, estipule prazos determinados e um procedimento que permita tornar exequível a obrigação de negociar antes do litígio;

4.   Reflita sobre a real necessidade, em seu caso concreto, de uma cláusula arbitral. A depender dos fatores discutidos neste ensaio, o Poder Judiciário pode não ser uma má ideia;

5.   Caso se decida pela arbitragem, escolha uma instituição arbitral séria, procure opiniões de colegas e, sobretudo, verifique quais são os seus custos;

6.   No caso de arbitragens com entes públicos, atente para o fato de que a legislação brasileira, de forma cada vez mais natural, tem exigido que o ente privado adiante sempre 100% das custas do litígio;

7.   Insira na sua cláusula arbitral o nome exato da instituição arbitral, tal como em seu site na Internet. Não hesite em transcrever a cláusula-modelo que algumas instituições sugerem;

8.   Evite cláusulas bifurcadas, que preveem que certos litígios serão submetidos ao Poder Judiciário e outros à arbitragem, seja em função do valor, seja em função da matéria. Embora pareçam uma solução salomônica satisfatória, acabam quase sempre sendo um problema;

9.   Não limite a escolha de seus árbitros com a exigência de qualidades técnicas e pessoais que nunca permitirão encontrar esse indivíduo. Procure saber se o regulamento de sua instituição tem alguma exigência em relação ao árbitro, bem como se o seu caso precisa de alguém técnico. Mais do que isso, é restringir demais a escolha fundamental da arbitragem;

10. Finalmente, quanto aos efeitos das cláusulas arbitrais, é preciso (i) acompanhar a discussão jurisprudencial sobre a exigência de destaque e assinatura específica para as cláusulas arbitrais em contratos de adesão em que as partes não são hipossuficientes e (ii) ter em mente a tendência jurisprudencial de estender essas cláusulas a terceiros que participaram da negociação do contrato.

Essas sugestões não são milagrosas, mas ajudam a pensar com mais atenção uma cláusula de resolução de litígio. São apenas uma amostra dos problemas mais comuns que nós, advogados de contencioso, vemos em nosso dia-a-dia quando nos deparamos com os mais variados contratos.

Temos a impressão de que falta à cláusula de resolução de conflitos um pensamento de longo prazo, que anteveja o litígio para melhor enquadrá-lo. Que possamos ser menos imediatistas, talvez até um pouco mais pessimistas, contanto que isso sirva para economizar anos de discussão sobre como discutir um determinado contrato.

[1]  “Existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim”.

[2] “Art. 23. Se, em previsão contratual de cláusula de mediação, as partes se comprometerem a não iniciar procedimento arbitral ou processo judicial durante certo prazo ou até o implemento de determinada condição, o árbitro ou o juiz suspenderá o curso da arbitragem ou da ação pelo prazo previamente acordado ou até o implemento dessa condição. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às medidas de urgência em que o acesso ao Poder Judiciário seja necessário para evitar o perecimento de direito”.

[3] TJSP, 2ª CamResDirEmp., AgInst. nº 2031444-61.2016.8.26.0000, rel. Des. Caio Marcelo Mendes de Oliveira, j. 14.12.2016.

[4] “A modificação proposta no estatuto social pode expressar, de alguma forma, abuso do poder de controle dos acionistas controladores. […], parece contraditório estabelecer, justamente neste cenário [de dificuldades financeiras da empresa], a arbitragem, procedimento sabidamente mais oneroso, como única forma de solucionar os conflitos oriundos ou relacionados ao próprio estatuto e à Companhia, entre seus acionistas e/ou administradores. […]tal deliberação apresenta-se conflitante com a gestão voltada à realização do objeto e cumprimento da função social da empresa, e preocupada com os deveres e responsabilidades para com os demais acionistas, os que na empresa trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses devem lealmente ser respeitados e atendidos, nos termos do art. 116, parágrafo único, da Lei, 6.404/1976, o que encaminha à possibilidade de configuração da conduta descrita como exercício abusivo de poder, nos moldes do art. 117, §1º, “c” da Lei 6.404/1976.[…] tal alteração está sendo proposta num momento em que pende grande divergência de interesses entre os acionistas, o que se retrata na existência de diversos processos tramitando entre as mesmas partes, de modo que tal alteração no estatuto social, obrigando os acionistas a se socorrer exclusivamente da arbitragem, como meio de solução de conflitos, poderia implicar em limitação de direitos de parcela dos acionistas, garantidos pelo art. 5º, XXXV da Constituição Federal” (pp. 6-7 do acórdão).

[5] TJRJ, 2ª CamCív, Ap. Cív. Nº  003199620.2010.8.19.0209, rel. Des. Alexandre F. Câmara, j. 11.06.14, v.u..

[6] Lei Federal Nº 13.448/17, Art. 31, § 2º: “As custas e despesas relativas ao procedimento arbitral, quando instaurado, serão antecipadas pelo parceiro privado e, quando for o caso, serão restituídas conforme posterior deliberação final em instância arbitral”; e Decreto Nº 8.465/15 (“Decreto dos Portos”), Art. 1º, VII: “as despesas com a realização da arbitragem serão adiantadas pelo contratado quando da instauração do procedimento arbitral, incluídos os honorários dos árbitros, eventuais custos de perícias e demais despesas com o procedimento”.

[7] Vide caso “Kieppe Participações e Administração Ltda. v. Graal Participações Ltda”, STJ, 4ª Turma, REsp. nº 1.331.100-BA, rel. Min. Maria Isabel Gallot, rel. para acórdão Min. Raul Araújo. j. 17.12.2015. Acórdão comentado por Marcos Sader e Lucas V.M. Bento, em Revista Brasileira de Arbitragem, vol. XIII, nº 51, 2016, pp. 181 – 190.

[8]  “Art. 8º […] Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.” (Lei Nº 9.307/96)

[9] TJSP, 2ª CamResDirEmp., Ap. nº 1011982-63.2014.8.26.0564, rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 13.03.2017; TJSP, 2ª CamResDirEmp., Ap. nº 0185199-90.2012.8.26.0100, rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 13.02.2017; TJSP, 1ª CamResDirEmp, AgInst. nº 2110669-33.2016.8.26.0000, rel. Des. Cesar Ciampolini, j. 08.09.2016.. No mesmo sentido, julgado do Superior Tribunal de Justiça: “Todos os contratos de adesão, mesmo aqueles que não consubstanciam relações de consumo, como os contratos de franquia, devem observar o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96.” STJ, 3ª Turma, REsp nº 1.602.076, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 15.09.2016.

[10] “Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula”.

[11] “Na relação de consumo estabelecida por meio de contrato de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar expressamente com a sua instituição.”

[12] Mensagem n. 162, de 26.05.15.

[13] HANOTIAU, Bernard. Complex arbitrations: multiparty, multicontract, multi-issue and class actions. The Hague: Kluwer Law International, 2006.

 

 

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