Fonte: CNJ em noticiais
Em seu gabinete na Vara Cível de Valença, cidade situada a 124 quilômetros de Salvador/BA, o juiz escuta uma senhora que, por meio da Defensoria Pública, propõe uma ação judicial de internação compulsória de sua filha para tratamento de dependência química. Após a conversa, algumas das 120 pessoas presentes no fórum são chamadas para representar o caso acima com o marido, a filha e até o próprio crack, a pedra da droga, interpretado o por uma pessoa. Todos começam a interagir, conduzidos pelo magistrado: trata-se de uma dinâmica de Constelação Familiar. A cena, que parece excêntrica para um Fórum, é, na verdade, cada vez mais comum no Judiciário brasileiro, pioneiro no uso dessa técnica alemã para ajudar a solucionar conflitos. Unidades de Justiça de pelo menos 16 Estados e o Distrito Federal já utilizam a técnica criada pelo psicoterapeuta alemão Bert Hellinger, hoje com 92 anos de idade, que alicerçou seu sistema na Teoria Geral dos Sistemas, na Fenomenologia e no Psicodrama. Na Justiça, a intenção é esclarecer as partes sobre o que há por trás do conflito que gerou o processo judicial e abrir caminhos para a pacificação social. Os conflitos levados para uma sessão de Constelação, em geral, versam sobre questões familiares, como violência doméstica, endividamento, guarda de filhos, divórcios litigiosos, inventário, adoção e abandono. A medida está alinhada à Resolução CNJ n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destinada a estimular práticas que proporcionam tratamento adequado dos conflitos, assim como ao novo Código de Processo Civil, que estimula medidas que promovam o apaziguamento entre opostos. Para a juíza auxiliar da Corregedoria do CNJ, Sandra Silvestre, a Constelação Familiar e outras práticas sistêmicas tornaram-se poderoso instrumento de pacificação social. “O sistema judicial brasileiro cada vez mais avança para um sistema de múltiplas portas, fazendo que o cidadão possa ter acesso à Justiça por diferentes meios e mecanismos” disse. Para a juíza, o direito sistêmico é mais um importante caminho que “se fortalece cada dia mais, mostrando que veio para ficar”. Sandra Silvestre participará, no dia 12 de abril, do workshop “Inovações na Justiça: O Direito Sistêmico como meio de Solução Pacífica de Conflitos”, no auditório do Conselho da Justiça Federal, em Brasília/DF. Muito a ganhar “Mas, se vierem, têm muito a ganhar”, diz o juiz Sami Storch, que costuma organizar as constelações pelos temas dos processos – por exemplo, partes de processos de divórcio ou disputa de guarda de filhos. Na Constelação Familiar de que a senhora — que aqui chamaremos de Laura — participou, estavam presentes as partes envolvidas nas ações, profissionais do direito, estudantes e outros convidados. Após a costumeira explicação sobre as ordens sistêmicas, o juiz Storch conduziu uma meditação e explicou como funcionam as constelações. Depois disso, Laura procurou o juiz e se voluntariou para a prática. A senhora estava acompanhada de uma assistente social, ciente de seu caso. Ela havia ingressado com uma ação judicial, por meio da Defensoria Pública, pedindo a internação compulsória da filha em uma instituição de tratamento e desintoxicação. Aos 35 anos de idade, a filha era viciada em crack e desenvolveu transtornos mentais. Vinha ameaçando e agredindo pessoas na rua com uma faca e quebrava as coisas dentro de casa. Além disso, não aceitava qualquer ajuda ou tratamento médico e se recusava a tomar os remédios receitados, motivo que levou a mãe entrar na Justiça para obrigar a filha a se internar. A liminar foi concedida pelo juiz e a filha foi internada. A Constelação foi iniciada com pessoas representando a filha viciada, o pai de Laura, o avô da garota e o próprio crack. O personagem que fazia o papel da droga se colocou entre mãe e filha, impedindo que se comunicassem. Durante a experiência, algumas histórias vieram à tona: Laura, a mãe, havia sido forçada pelo pai a se casar, motivo pelo qual cortara o contato com ele, o que a fizera sofrer muito. E a exclusão do avô gerava grande mágoa também na neta. Segundo Bert Hellinger, o inventor da Constelação Familiar, a droga representa para o viciado alguém da família que foi excluído — geralmente o pai. Depois de muita resistência, Laura conseguiu encarar a pessoa que representava o seu pai e o abraçou. Neste momento, o juiz interrompeu a sessão de Constelação. Dias depois, a assistente social comunicou ao juiz que Laura estava bem mais tranquila e havia retomado contato com sua filha, em um diálogo inicialmente travado por telefone. A instituição de tratamento informou, também, que houve melhora sensível no quadro psicológico da filha. Resultados como esse são comuns após a Constelação Familiar – mães reestabelecem o contato com filhos, adolescentes que cumprem medida socioeducativa deixam a violência de lado, pessoas que disputam a guarda de crianças entram em acordo. O juiz Storch recentemente acompanhou o caso de um casal em Itabúna, na Bahia, que brigava na Justiça em 25 processos por causa de um divórcio. As ações tratavam da guarda dos filhos, pensão alimentícia, violência doméstica e até ocultação de bens. Um mês após participarem da Constelação, o casal resolveu por acordo quase todos os processos em uma única audiência. “As pessoas desenvolvem uma raiva e não percebem que isso está encobrindo uma dor. Na Constelação Familiar, percebem a dor do outro, não só as suas atitudes, e isso funciona como uma espécie de absolvição”, conta. Rápida expansão pelo país Naquele ano, a técnica foi testada com cidadãos do município de Castro Alves, a 191 quilômetros de Salvador. Nas 90 audiências realizadas, nas quais pelo menos uma das partes participou da vivência de Constelações, o índice de conciliação foi de 91%. “As pessoas buscam o Judiciário para resolver determinado conflito. Na Constelação, descobrem caminhos para resolvê-lo por conta própria, de forma muito mais profunda que a decisão judicial. Acabam quebrando padrões nocivos, relacionamentos prejudiciais, comportamentos violentos”, explica o juiz Storch. De lá para cá, os projetos se multiplicaram pelo País e, em 2015, uma prática de mediação familiar baseada nessa técnica, desenvolvida no 3º Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania da comarca de Goiânia/GO, foi vencedora do Prêmio Conciliar É Legal, do CNJ, além de receber em 2014 uma menção honrosa no XI Prêmio Innovare, concedido pelo Instituto Innovare. No Poder Judiciário, as Constelações Familiares são feitas pelos próprios juízes ou por psicólogos. No caso do Poder Judiciário de Goiânia, a técnica é aplicada pela psicóloga Rosângela Alves Montefusco, colaboradora do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) , com partes de ações que estão em segundo grau. Para a psicóloga, isso representa desafio ainda maior que as Constelações feitas no Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), em uma etapa em que ainda era possível acordo pré-processual: em um ano, foram feitos acordos em 30% dos casos em que lados em conflito passaram pela prática. “As partes já chegam prontas para a briga. No primeiro encontro, tentamos quebrar resistências, mudamos as pessoas do lugar em que estão sentadas, colocamos divorciados lado a lado”, conta a psicóloga. Um dos casos que mais chamou a atenção foi o de um casal de irmãos que disputavam judicialmente um inventário de mais de R$ 10 milhões. Eles não se falavam há 20 anos. O irmão era contra o casamento da irmã, realizado aos 17 anos. Ao constatar que a presença do marido da irmã impedia qualquer conversa, a psicóloga pediu para que ele se afastasse durante a Constelação Familiar e, aos poucos, os irmãos começaram a conversar. Acabaram chegando a um acordo em relação à herança e o processo foi extinto. Mais do que isso, os irmão se reconciliaram, depois de duas décadas de separação. “A Constelação Familiar vai muito além do processo — reconstitui vínculos. Uma herança, por exemplo, não é só feita de dinheiro, mas vem sempre carregada de amores e dores”, lembra Rosângela Montefusco. De acordo com ela, toda pessoa é parte de um sistema familiar e o que cada um faz pode interferir por quatro ou cinco gerações à frente. Os familiares podem traçar, explica a psicóloga, uma espécie de lealdade invisível. “Por exemplo, uma avó costuma ser agredida pelo marido. A sua neta pode acabar reproduzindo esse padrão, porque inconscientemente pensa: como posso ser feliz se a minha avó não é?”, diz. Em reportagem exibida em 2016 pela TV Brasil, a juíza Magáli Dellape, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), explica aqui como funciona o Projeto Constelar e Conciliar no DF. Luiza Fariello http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/86434-constelacao-familiar-no-firmamento-da-justica-em-16-estados-e-no-df |